Andre Dahmer

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Natureza Morta

Como relembrar momentos fortes, estonteantes, capaz de fazer perder os sentidos vivos. Foi um pouco assim o sentimento frente a uma cena de um século distante que está sempre tão próximo da gente.

Difícil tentar fazer a leitura do dia, frente a uma realidade manicomial, homens e mulheres com traços estigmatizados, perambulando com o que é possível na sua subjetividade aprisionada por tanto tempo. Pensar como se senti ali, tentando se relacionar com pessoas com grave dependência institucional, fragilizados pelas correntes do abandono, institucionalizados e amarrados por uma organização que faz da sua ação o ganha pão, o seu lucro.

Natureza morta, assim, foi o sentimento junto aquele espaço, chapado pelas cores fortes, duras e estatizadas como na obra de Van Gogh.

O que estamos nós fazendo, enquanto profissionais, ou diria, nós cidadãos?


A cena vem freneticamente nos pensamentos, martelando a película da memória, daquela dureza de realidade. “Um pouco de possível, senão eu sufoco”. 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Além do bem e do mal: internações interditando a vida


Todo o foco, lentes miradas para o tema tão recorrente em São Paulo, a questão envolvendo o uso do álcool e outras drogas, em que a polêmica gira entorno do crack.

A relação manicomial aparece novamente no cenário atual vestindo outra roupagem, o tecnicismo parece estar mais afinado na prática e nos discursos de alguns profissionais. Representantes da população, na figura de governadores, deputados, prefeitos, vereadores, enfim, ações políticas que cercam o cenário atual com a epidemia ao contrário. Ou seja, “soluções mágicas” lançadas pela mídia e por figuras públicas que têm sobre as pessoas, certa influência, funcionando assim: “ah, ele disse, então estou com ele”. Uma concordância estranha, pois, não há na sociedade em geral uma discussão sobre os problemas vivenciados nas diversas realidades. Parece ser um sintoma de todas as crises vividas nas relações em sociedade, que são solucionadas rapidamente por meios paliativos e por vezes violentos. A vida vai se estilhaçando numa realidade que pouco permite encontros que provocam uma alegria, aumentando nossa potência de existir.

Os sentimentos, com toda sua parte extensiva, parecem logo ser aprisionado, numa captura que rouba a possibilidade de existir.

As relações que envolvem as pessoas usuárias de alguma droga restringe somente o que (a)parece afligir as pessoas na sociedade. À cada artigo que crítica a forma como está sendo feito as ações de internação involuntária e de internações compulsória, vejo comentários do tipo desesperador que faz coro junto aos representantes e profissionais que colocam essa possibilidade como sendo a única e máxima salvadora dos problemas dos quais já conhecemos na nossa realidade. É um grito de socorro, em que neles está todos os direitos que não estão sendo garantidos, políticas públicas que não acontecem de fato e que quando há, nem é tão pública assim. As pessoas parecem terceirizar o tempo todo, como se autorizasse ao outro, o poder de decidir por elas. A vida fica amarrada quase o tempo todo na decisão de alguém, alguém com esse “poder de solução instantânea”, figuras públicas, pessoas que exercem uma influência sobre as pessoas, a voz que vai se fazer ecoar por quase todas as pessoas.

Não está sendo discutido a falta de programas e de funcionamento pleno do Sistema Único de Saúde – SUS, nem se fala nas políticas que estão sendo elaboradas, discutidas, planejadas, em saúde mental. É preocupante querer estancar uma ferida que precise de ar para poder se recuperar, em que “tirar” as pessoas desse lugar que incomoda, que expõe para nós algo bem próximo de nossa vida, que visualiza para nós que as nossas relações não andam tão bem assim, e faz tempo. A medida mais fácil para nós frente a qualquer problema e angústia, parece ser o de de(s)xistir, em que desistimos dos outros com suas singularidades e sofrimentos, desistimos de nós mesmos.

A saúde sempre mostra alguns indicadores que quase sempre são ocultados, talvez, por dizer de algo simples que nos é tão complicado, assim, a realidade vai mostrando que sofremos de “relação”, aquela que vá para além de relações ditas caridosas, dizendo muito mais daquelas que permitem um encontro, mesmo que esse seja tão difícil pra gente, que permita o conflito – nosso e/com o outro. A vida não pode estar comprimida, fadada a soluções apresentadas em “fórmulas mágicas”.

A razão técnica avançou tanto, ou se trate talvez de um eterno retorno, que antes havia os trens para levar as pessoas para os manicômios, para a câmara de gás. Hoje, as pessoas são levadas pelos trilhos invisíveis, estes que dizem o que devemos fazer, que apresentam essas soluções insolúveis. Assim, não é o trilho que leva, é a mão/braço e o dito "conhecimento" do outro, que ao invés de acolher, lança essa vida entre os muros da ciência. Esse tipo de ciência que parece querer se fechar o tempo todo em si mesma, que tem medo de sair para fora de si mesma e se encontrar com a realidade em sofrimento, mas, que tem também as suas possibilidades de alegria, enfim, sair de uma rede fria para ir ao encontro de uma rede quente, essa, com mais possíveis.



"Não sou escravo de ninguém. Ninguém, senhor do meu domínio. Sei o que devo defender e, por valor eu tenho e temo o que agora se desfaz." 
Legião Urbana

sábado, 17 de novembro de 2012

Entre meios

A distância dança com vácuos da solidão
Pés saltitantes no chão com poças de lama
Ao som do dia ensurdecedor
Seduções de trilhas cheia de imagens
Visões obstruídas por tanto ver

Na estrada da vida
Passos amanhecidos
Nenhum pisar no chão
Dores exprimidas
Tintas em telas adentro
Vagando pelas formas 

Brincando com as palavras
Fixadas ao regaço do tato
dedadas em teclas barulhentas
Mistura os sentidos
Toca a audição 
E esboça minha inspiração 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A Ampulheta


O que aconteceu com o tempo
estão procurando ponteiros
marcações das horas e minutos
já não se escuta o tic-tac

A ampulheta fora virada no avesso
e ficou assim na direção do horizonte
parecendo o infinito

A areia não parou
fica se movendo pra lá e pra cá
só não marca mais o tempo
são partículas de amor




segunda-feira, 23 de abril de 2012

Tentar Ver


Ajuste o plano, se quer ver muito próximo ou mais aberto
qualquer coisa, espere o sol nascer, a luz vai ajudar
e a neblina se evaporar
pegue uma flanelinha, limpe a lente dos embaçados
lembre-se, é inverno, a energia diminui nessa temporada
os pássaros quase não cantam
a natureza se silencia
tempo de recolhida
agitar-se demais, é ver tudo voltar-se para si 
sentindo o vácuo da solidão
mas mesmo com tempo bom, 
primavera, verão
tudo tem sua limitação
há coisas que não dará pra ver
pra saber
afinal, não é o muito saber que sacia e satisfaz, 
mas o sentir e saborear eternamente as coisas

sábado, 7 de abril de 2012

Feliz Passagem!

Pensando no sentido e significado da páscoa, notam-se diferenças culturais em todos os continentes, assim como também há heranças de um país para o outro.

Páscoa significa passagem. Passar da escravidão para a libertação, da morte para a vida. 

A instituição religiosa consegue a façanha de ser contraditória em suas formas indutivas mais tradicionais. O ritual parece ser sempre a repetição e pouco faz sentido na vida de cada pessoa. A experiência tem caráter muitas vezes individual, pensando pouco ou quase nada o coletivo. O cotidiano religioso, furioso frente às questões das diferenças, se relaciona de maneira dura e inquisidora com o outro que pensa e se posiciona de maneira diferente. 

A vida, tendo como princípio a liberdade, fica fadada ao penoso caminho à percorrer contra o preconceito, discriminação e exploração do outro em troca de produção de riquezas. Vemos pessoas morrerem por acreditar em outras coisas ou até mesmo por não acreditar. As pessoas morrem por serem homossexuais, por ter feito a passagem de uma possível morte para uma vida com significação e sentido. Morrem ou são apedrejadas também por serem ateus ou terem segmentos diferentes com relação à fé. A vida fica forçada a se confinar, ser aprisionada no cenário social. O pecado, como diz Samarago, serve como um instrumento de controle do corpo, torna-se míssel em mãos do que acham pregar a "razão" e acabam por explodir a vida que (a)parece expressando, nascendo na cena social. Vida que expressa alegria na sua relação de afeto com as pessoas. 

As cenas em cada plano da vida social desperta diferentes sentidos, o amor que compõe e que também decompõe na relação de afeto com o outro fica registrado num cenário em transformação.

Vida ou morte? Será de mudança ou de repetição? A páscoa marca a passagem, o ritual, assim, veremos quais os rumos e ações das pessoas no cenário social. Viva os diferentes sentidos.



domingo, 25 de março de 2012

A vida e os avessos


Estou sentindo o dilema da música Zé e José do poeta/músico Zé Geraldo, a cada passo tendo que viver e acolher a superficialidade, a autenticidade temperada. Quero encontrar com um velho doido, chapado (bêbado), um personagem decidido, escolhendo seu caminho. Ele sabe contar, cantar as várias histórias, “história sobre a cor dos sete mares e de tesouros escondido no peito do próprio homem”.

A vida não pode ser comprimida pela necessidade voraz da sociedade, da civilização aprisionada pelo autêntico detalhe, este recebido e instituído. Ah, simplicidade escondida e que me colocam complicada, “é simples ser complicado”, mas quero eu encontrá-la em meio a essa devastação contemporânea daquilo que é mais primitivo, a roda de viola, ser criança e rir no circo com o palhaço.

Não quero ser um José de sorriso plástico, enganando a si e a todos com seu modo “autêntico” de ser. “Cabeças treinadas pra competir, semente de toda ambição”, “José progrediu, calculista e frio”.

Esse lance entre autêntico e falso provoca certa confusão, estamos acostumados a entender o autêntico como algo mais interessante. Mas para o pintor[1] que pintava a Sr. Monarch não era bem assim. O pintor via a “coisa autêntica” como o personagem puro. O falso para o pintor era visto como algo parecido com uma gravura, já o personagem do autêntico, uma fotografia. O talento da Srta. Churm em imitar e fazer os personagens “falsos” interessava mais ao pintor. Sua capacidade de variação produzia a invenção dos personagens e conseqüentemente as pinturas sairiam diferentes a cada obra. Já a Sr. Monarch posava para o pintor há dois anos e sempre impunha a mesma figura, endurecida pela autenticidade da burguesia, classe da qual se relacionava.

Sem colocar a questão aqui de luta de classes e coisas do tipo, chamo a atenção para essa relação com o falso, essa capacidade inventiva que me tira dessa ortopedia que tenta fixar a autenticidade, permitindo que a variação ganhe contornos em meio a toda essa concretude instalada no cenário social.
A vida no interior toca viola, faz doces de amendoim, prepara o café com bolo de fubá e convida você à sentar, contar os causos, a terra espera no outro dia para ser cuidada e produzir, então, não há tanta pressa. Quantos personagens, possibilidades de variar e inventar nesse cenário da vida.

Um convite para o falso, eis que me convida a vida para esse encontro. Zé, essa alegria quente que canta as histórias das estradas.


[1] Henry James A coisa autêntica.